
Nick Cave (centro) & the Bads Seeds em sua formação atual: versando (com um vozeirão meio assustador, meio sensual) sobre sobre temas tão densos quanto violência, religião, obsessão amorosa e morte sobre um som que mistura blues, rock, jazz, baladas ao piano e toda a grandiosidade do gospel

Murder Ballads (1996): mesclando originais e versões, o álbum conta histórias tão “pitorescas” quanto a de um homem que testemunha a morte de sua família pelas mãos de um serial killer
Aproveitando a proximidade do lançamento do novo disco do Nick Cave e seus Bad Seeds (que deve sair em 19 de fevereiro e, com certeza, vai ganhar uma resenha aqui no blog), resolvi espanar o pó de um dos álbuns mais peculiares da carreira do meu compositor favorito em língua inglesa e sua banda. Em 1996, o australiano Cave e seu variável grupo de comparsas já contavam mais de uma década de carreira sob a alcunha de “sementes ruins” (o compositor já havia acumulado outros tantos quilômetros de estrada com sua primeira banda, o grupo pós-punk The Birthday Party, que durou de 1973 a 1983), e foi então (dois anos depois do aclamado, pesado, sujo e visceral Let Love In), sem muito aviso nem cerimônia, que a banda deu ao mundo Murder Ballads, um disco conceitual que versa, de cabo a rabo, sobre… Bem… Sobre ASSASSINATO (como o título já adianta)!
O álbum, que incrivelmente – dada a sua temática – foi o maior sucesso comercial de Cave até o presente, soa como um exorcismo, uma materialização quase definitiva do lado mais sombrio do lirismo do compositor – conhecido até hoje por sua figura soturna e por versar tranquilamente sobre temas tão densos quanto violência, religião, obsessão amorosa e, claro, morte. Mas não pense que isso torna o disco menos palatável: as piores escabrosidades são todas narradas de forma quase elegante pelo vozeirão meio sensual, meio tenebroso de Nick sobre um som que mistura, de forma magistral – como de costume com os Bad Seeds (aqui em sua melhor forma ) -, blues, rock, jazz, baladas ao piano e toda a grandiosidade do gospel (uma das grandes influências de Cave, believe it or not).
Ao longo de quase uma hora, mesclando composições originais e versões, Murder Ballads conta histórias tão “pitorescas” quanto a de um homem que testemunha a morte de sua família pelas mãos de um serial killer (“Song of Joy”, a assustadora faixa de abertura), um assassinato motivado pela tentativa de roubo de um chapéu em um saloon de St. Louis (“Stagger Lee”, canção/poema/conto tradicional norte-americano que foi gravado por mais de 400 artistas desde o primeiro registro, datado de 1923) e a sanguinolenta vingança de uma mulher trocada por outra (“Henry Lee”, dueto com PJ Harvey – que na época vivia um romance com Cave -, também baseado em um conto/canção popular, dessa vez remontando ao século XVIII).
O álbum ainda passeia por relatos de uma psicótica e trágica histórica de amor (“Where the Wild Roses Grow”, outro dueto, agora com a diva pop Kylie Minogue, conterrânea de Cave – a faixa mais bem sucedida do disco, talvez por conta de seu cinematográfico clipe [veja abaixo], que também conta com a participação iluminada de Minogue) e pela épica descrição de uma espalhafatosa e tragicômica carnificina em que todos os frequentadores de um bar passam dessa pra melhor (“O’Malley’s Bar”). Fechando o disco, e carregando uma baita carga de humor negro, está ali, plantado, um improbabilíssimo cover da resignada (quase otimista e positiva) “Death is Not the End”, de Bob Dylan, que conta com a participação de todos os músicos que contribuíram com o álbum e mais alguns convidados especiais numa vibe estranhíssima, meio “We Are the World” pós-tragédia. O encerramento gera um choque tão com “a cara” de Nick Cave que só resta ao ouvinte se perder na canção enquanto digere todo o absurdo que acabou de absorver.
Enfim, Murder Ballads é um clássico improvável do tipo de produção musical que gravita fora da órbita da música popular tradicional – ainda mais nos assépticos anos 1990 -, e, até mesmo por isso, uma experiência lírica e sonora ímpar e recompensadora, além de um recomendadíssimo e urgente mergulho no mundo transtornado e poético de Nick Cave & the Bad Seeds. Ouça já (e com as luzes apagadas, se tiver coragem)!